A recente decisão judicial que proíbe o uso do herbicida hormonal 2,4-D no Rio Grande do Sul até o final de 2025 acendeu um forte debate no setor agropecuário. O tema coloca frente a frente produtores de frutas e vinhos, que reclamam prejuízos constantes com a deriva do produto, e sojicultores, que consideram a medida um risco à produtividade e ao calendário da próxima safra.
A seguir, você confere um panorama completo sobre o caso, seus impactos e os possíveis caminhos para o futuro.
O que é o 2,4-D e por que ele é tão polêmico?
O 2,4-D (ácido 2,4-diclorofenoxiacético) é um herbicida hormonal usado há décadas na agricultura mundial. Sua função principal é controlar plantas daninhas de folhas largas, especialmente no período de pré-plantio.
Na soja, milho e arroz, por exemplo, ele é um dos principais aliados no manejo, garantindo menor competição por nutrientes, luz e água, além de ser mais acessível em termos de custo do que muitas alternativas disponíveis.
Por outro lado, por se tratar de um produto volátil, o 2,4-D pode se deslocar após a aplicação, atingindo culturas vizinhas altamente sensíveis, como uvas, oliveiras, nogueiras e hortaliças. Esse fenômeno é conhecido como deriva.
O resultado? Folhas retorcidas, brotação prejudicada, abortamento de flores, redução de cachos e queda expressiva de produtividade em frutíferas e vinhedos.
A decisão judicial
A Justiça do Rio Grande do Sul decidiu suspender o uso do 2,4-D até dezembro de 2025 em várias regiões do estado, com foco na Campanha Gaúcha, importante polo de vinhos finos e frutas.
Além da proibição, a decisão exige que o governo estadual:
- Implante um sistema eficaz de fiscalização e monitoramento.
- Crie mecanismos de compensação financeira para agricultores prejudicados.
- Estabeleça um programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
- Aplique multas pesadas em casos de descumprimento.
Caso essas medidas não sejam cumpridas em até 120 dias, o governo poderá pagar multa diária de R$ 10 mil.
A visão dos fruticultores
Para os produtores de frutas, especialmente vitivinicultores da Campanha, a decisão é uma vitória.
- Eles argumentam que a deriva do 2,4-D já comprometeu diversas safras, reduzindo a qualidade e a quantidade de uvas.
- O setor de vinhos finos, que busca agregar valor e conquistar espaço no mercado nacional e internacional, sofre grandes perdas com problemas de qualidade gerados pelo herbicida.
- Além disso, afirmam que já havia anos de discussões, notificações e tentativas de regulação sem sucesso, restando à Justiça a única saída.
A visão dos sojicultores
Para os produtores de soja e grãos, a medida traz grande preocupação:
- O 2,4-D é peça-chave no calendário de manejo pré-plantio. Sem ele, há risco de aumento de plantas daninhas resistentes e maior custo de produção.
- Muitos já haviam comprado sementes com tecnologia Enlist, que pressupõe o uso do 2,4-D no manejo, e agora podem ficar sem opção imediata.
- O custo de alternativas pode ser mais elevado, reduzindo margens de lucro em um ano de preços já apertados.
- Existe também o temor de que a decisão abra precedente para outras restrições semelhantes em diferentes regiões do Brasil.
Impactos econômicos e produtivos
O embate não é apenas técnico: ele tem forte peso econômico.
- Fruticultura e vitivinicultura gaúcha: gera empregos locais, fomenta o turismo e coloca o RS em destaque na produção nacional de vinhos e azeites. Uma safra perdida significa prejuízo direto para pequenos e médios produtores, que dependem da qualidade da fruta.
- Soja, milho e arroz: são bases da economia gaúcha e do Brasil como um todo. O RS é um dos maiores produtores de grãos do país. A redução de eficiência no manejo de plantas daninhas pode levar a menor produtividade, aumento de custos e até impacto na competitividade das exportações.
Possíveis caminhos e alternativas
O desafio agora é buscar soluções que conciliem os dois setores. Algumas alternativas já em discussão incluem:
- Treinamento e tecnologia de aplicação: uso de bicos antideriva, ajuste de horário e condições climáticas para pulverização.
- Novos herbicidas: moléculas como dicamba, glufosinato e misturas específicas podem substituir parcialmente o 2,4-D, embora com custos maiores.
- Manejo integrado de plantas daninhas (MIPD): adoção de rotação de culturas, cobertura de solo e integração com métodos mecânicos.
- Delimitação de zonas de amortecimento: criação de áreas de exclusão próximas a frutíferas para reduzir risco de contaminação.
- Compensação financeira: mecanismos que indenizem produtores prejudicados, mantendo a coexistência entre culturas.
Um debate que vai além do RS
O caso do Rio Grande do Sul pode se tornar um marco regulatório no Brasil. A discussão sobre a segurança do 2,4-D e sua convivência com culturas sensíveis não é nova e já mobiliza órgãos ambientais, pesquisadores e entidades do agro em diferentes estados.
Equilibrar os interesses de dois setores estratégicos será um teste de maturidade para a agricultura brasileira: como produzir em grande escala, sem deixar de lado a sustentabilidade, a convivência entre culturas e o valor agregado dos produtos de nicho?
Conclusão
A proibição do 2,4-D no Rio Grande do Sul coloca em evidência os desafios de convivência no campo. O que para uns é ferramenta essencial de manejo, para outros é sinônimo de prejuízo.
A solução definitiva provavelmente passará por diálogo, pesquisa e inovação tecnológica. Enquanto isso, produtores de soja e frutas seguem atentos aos próximos capítulos desse embate, que promete impactar não apenas o calendário agrícola de 2025/26, mas também a forma como o Brasil pensa o futuro da sua produção agropecuária.