O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta terça-feira (8/10) a lei do Combustível do Futuro, que institui programas de incentivo para produção e consumo de biocombustíveis no país, como biodiesel, etanol, diesel verde, biogás, biometano e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). A legislação também prevê regras para a captura e estocagem de gás carbônico.
Nas estimativas do setor, a lei poderá incentivar e destravar investimentos de R$ 250 bilhões na produção de biocombustíveis em curto e médio prazos. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, estimou em R$ 260 bilhões o potencial de aportes em breve.
Durante a cerimônia, na Base Aérea de Brasília, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) anunciou investimentos de R$ 130 bilhões nos próximos anos. Executivos de empresas do setor assinaram cartas de compromisso para aportes de R$ 20,2 bilhões em novos negócios. O principal aporte anunciado é da Raízen, de R$ 11,5 bilhões.
A lei estabelece o aumento escalonado da mistura de biodiesel ao diesel fóssil, com adição de 1 ponto percentual por ano, saindo de 15% em março de 2025 para 20% em 2030, e com autorização para ir até 25% a partir de 2031. O texto permite que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) também poderá reduzir o teor até 18% no período.
Para o etanol, a lei permite ao governo elevar o percentual de mistura na gasolina dos atuais 27,5% até 35%, desde que constatada a sua viabilidade técnica, ou reduzi-lo a 22%.
Na área de biogás e biometano, a lei institui a obrigatoriedade de mistura ao gás natural a partir de 2026, com volume inicial de 1% sem poder exceder 10%.
A legislação também institui a obrigatoriedade de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) por operadores aéreos, com a utilização de SAF. A mistura começará em 1% a partir de 2027 e chegará a 10% em 2037. Esse combustível sustentável de aviação ainda não é produzido no Brasil.
A lei do Combustível do Futuro também cria um mandato próprio para o diesel verde, produzido por meio da transformação de matérias-primas exclusivamente derivadas de biomassa renovável (como gorduras de origem animal e vegetal, cana, etanol e resíduos), ao diesel fóssil.
O texto diz que a participação volumétrica mínima obrigatória de diesel verde em relação ao diesel comercializado ao consumidor final não poderá exceder o limite de 3%, permitida adição voluntária de diesel verde superior a esse limite, e o interessado deverá comunicar seu uso à ANP. O combustível ainda não é produzido no Brasil. Segundo a Agência Senado, a primeira biorrefinaria desse combustível está sendo construída em Manaus (AM) e tem previsão para início de operação em 2025.
A nova lei ainda cria diretrizes para investimentos em captura e armazenagem geológica de gás carbônico (CO2). As empresas terão autorização por 30 anos para realizarem projetos de estocagem de carbono no solo. Essas iniciativas têm alto potencial de descarbonização de atividades dos setores de energia (25,3% das emissões de CO2) e indústria (5,2% das emissões brasileiras).
A lei também institui regras para a fiscalização do diesel B, o que é abastecido nos postos de combustíveis.
Indústria diz que “está pronta”
O superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizeti Tokarski, afirmou que a indústria produtora de biocombustíveis está “pronta para avançar” com a sanção da lei do Combustível do Futuro.
“O biodiesel brasileiro possui especificação de qualidade mais rigorosa do mundo e a indústria está pronta para avançar. O futuro chegou”, disse, durante a cerimônia de sanção da lei, na Base Aérea de Brasília.
Na cerimônia, executivos de sete empresas assinaram cartas de compromisso para investimentos de R$ 22,8 bilhões no setor.
A Raízen anunciou R$ 11,5 bilhões para a implantação de 9 plantas de etanol de segunda geração. A Inpasa aportará R$ 3,4 bilhões nos próximos 18 meses para a implantação da segunda fase da planta de etanol de milho em Sidrolândia (MS), a finalização da planta de etanol no município de Balsas (MA) e a construção de biorrefinaria em Luís Eduardo Magalhães (BA).
O Grupo Potencial investirá R$ 3 bilhões na cadeia de produção de biodiesel, com destaque para a ampliação da planta de biodiesel em Lapa (PR), tornando-a a maior produtora de biodiesel em planta única do mundo.
O Grupo FS Bios anunciou investimentos de R$ 500 milhões com a instalação da planta de captura e estocagem de CO2, associado à produção de etanol, em Lucas do Rio Verde (MT).
A Virtus, a Eneva e a Edge assinaram carta de compromisso para a implantação de corredor verde de transporte de gás natural, utilizando caminhões movidos a GNL. A primeira etapa terá 3 mil quilômetros de extensão e investimento de R$ 1,3 bilhões até 2026.
A Shell anunciou implantação de centro de pesquisa em bioenergia, em parceria com a Raízen e o Senai-SP, em Piracicaba (SP), com investimentos de R$ 120 milhões.
A Be8 vai implantar uma usina de biodiesel e Be8BeVant (novo biocombustível patenteado pela empresa) em Uberaba (MG), com investimentos de R$ 400 milhões.
A localização da nova planta é estratégica e garantirá a disponibilidade do produto nas principais cidades da região, além de ampliar a atuação da Be8 no Sudeste do país, disse em nota. O início das obras está condicionado a processos de análise, licenças ambientais e regulatórias.
“Estimamos investimentos só em etanol, biometano e SAF de mais de R$ 130 bilhões nos próximos anos”, disse Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), no evento.
Marco “redefine a história”
A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) afirmou que a sanção da lei do Combustível do Futuro “pavimenta” um novo nível de desenvolvimento sustentável da indústria e do agronegócio brasileiros.
Francisco Turra, presidente do Conselho de Administração da entidade, disse que esse marco regulatório vai “redefinir a história” do desenvolvimento sustentável do país.
“Este projeto inaugura um novo momento da economia nacional caracterizado por fortes investimentos no parque industrial nacional e pela forte agregação de valor em toda a cadeia de agronegócio, impulsionando a economia e o emprego verde”, destacou Turra, durante o evento de sanção da lei, no Hangar GLOG da Base Aérea de Brasília.
No mesmo local foi realizada a feira “Liderança Verde Brasil Expo”, em que foram expostos caminhões, tratores e carros movidos totalmente com biodiesel ou biometano, por exemplo. Também houve demonstração do funcionamento de um biodigestor residencial.
“É importante destacar a mobilização de todo o setor produtivo e a consciência e compreensão da classe política da importância do desafio climático que vivemos e que resultou na aprovação do Projeto de Lei Combustível do Futuro pela ampla maioria nas casas legislativas”, disse Erasmo Battistella, CEO da Be8, uma das maiores produtoras de biodiesel do país.
No evento, Battistella disse que os empresários do setor estão “assumindo compromisso de continuar investindo muito nessa cadeia produtiva”. Segundo ele, o Combustivel do Futuro “vai trazer uma onda de investimento”. “É um marco, inicia um novo ciclo, e cumpre promessa de devolver previsibilidade ao setor produtivo”, completou.
André Lavor, CEO da Binatural, especialista na produção de biodiesel, disse que lei é um marco no combate às mudanças climáticas e que a descarbonização da matriz de transporte no Brasil é um passo decisivo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
“O setor de biodiesel contribuirá com a redução de mais de 320 milhões de toneladas de CO2 nos próximos 10 anos. O aumento progressivo da mistura para 25% de biodiesel ao diesel até 2035 trará outros impactos expressivos: mais de R$ 52 bilhões em investimentos, R$ 412 bilhões agregados ao PIB, uma economia de US$ 10,5 bilhões em importações e a criação de mais de 1,5 milhão de empregos e o benefício direto a 540 mil agricultores. Esses números confirmam a relevância do biodiesel na transição energética e solidificam o Brasil como líder global nessa jornada”, disse, em nota.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a lei posiciona o país na vanguarda da transição energética, “promovendo um desenvolvimento sustentável e equilibrado”. A Pasta é uma das gestoras do Selo Biocombustível Social, ferramenta de inclusão da agricultura familiar na produção de biodiesel. Por meio dela, usinas são obrigadas a comprar parcela das suas matérias-primas de pequenos produtores.
“O Selo Biocombustível Social é um exemplo de como podemos alinhar inovação tecnológica com inclusão socioprodutiva, colocando agricultores e agricultoras no centro dessa transformação. Quando incentivamos a diversificação das culturas agrícolas e descentralizamos a indústria de biodiesel estamos gerando renda, agregando valor à agricultura familiar e contribuindo ativamente para a transição energética do Brasil. Esse é um caminho de desenvolvimento que fortalece a economia rural e promove o crescimento sustentável para todos”, afirmou Vanderley Ziger, secretário de Agricultura Familiar e Agroecologia.
Em 2023, 58,4 mil agricultores familiares participaram da produção de biodiesel no Brasil, com o fornecimento de 2,7 milhões de toneladas de matérias-primas destinadas à produção de biodiesel. Os negócios movimentaram cerca de R$ 6,6 bilhões, informou a Pasta.
Por Rafael Walendorff— Brasília