O que faz a ocitocina?
A ocitocina é um hormônio neuropeptídeo cuja composição é uma sequência de 9 aminoácidos. Este hormônio está envolvido em diferentes funções reprodutivas e ordenha, entre as quais: contrações uterinas durante o parto, acasalamento e descida do leite.
Quando ocorre um estímulo (por exemplo, contato manual dos tetos antes da ordenha ou a mamada do bezerro), a ocitocina é liberada na corrente sanguínea a partir da glândula pituitária posterior, localizada no sistema nervoso central.
Em razão da sua estrutura química relativamente simples, a ocitocina foi um dos primeiros hormônios neuropeptídios a ser sintetizado quimicamente, ainda na década de 1950. A partir de então, este hormônio está disponível na forma injetável para uso em medicina humana e veterinária.
Em relação à ordenha de vacas leiteiras, a liberação de ocitocina tem papel fundamental para a manutenção da lactação e o controle da descida do leite, tanto em sistemas com ordenha mecânica, manual, com ou sem com bezerro ao pé da vaca, o que significa que a sua liberação e tempo de ação são cruciais para uma ordenha completa e rápida.
Estrutura do úbere e descida do leite
A glândula mamária é um órgão secretor composto por dois tipos principais de tecidos: células secretoras (epiteliais) e sistemas de ductos e cisternas. O leite é produzido continuamente nas células secretoras, as quais se organizam em alvéolos de formato arredondado, os quais se comunicam com os ductos maiores e menores, e com as cisternas da glândula e dos tetos.
Logo após uma ordenha completa, o leite sintetizado continuamente é acumulado nos alvéolos (cerca de 80%) e nos demais sistemas de ductos e cisternas (20% do leite). Desta forma, sem a ação do reflexo da descida do leite, somente o leite presente nas cisternas está imediatamente disponível para a ordenha.
O leite cisternal é retido na glândula mamária somente pela força exercida dos músculos do esfíncter do teto. Por outro lado, para a retirada do leite presente nos alvéolos é necessária a ação da ocitocina sobre as células mioepiteliais e a consequente expulsão (por pressão positiva) do leite para as cisternas.
Uma importante implicação desta distribuição do leite cisternal e alveolar é que vacas em final de lactação geralmente acumulam pouca quantidade de leite cisternal, o que significa que se não houver boa estimulação e adequado tempo de espera para colocação das teteiras, o fluxo de leite no início da ordenha é muito baixo.
Antes da ordenha as concentrações de ocitocina no sangue são extremamente baixas (1-5 pg/ml ou 10-12 g/ml). Entretanto, após a estimulação dos tetos a ocitocina é liberada continuamente durante a ordenha a partir da pituitária posterior por meio de um reflexo neuro-hormonal e pode atingir concentrações de 10-100 pg/ml.
Deve-se destacar que o principal estímulo para a liberação de ocitocina é a estimulação manual dos tetos, sendo que estímulos visuais, auditivos ou de reconhecimento do local de ordenha podem ocorrer em algumas espécies, mas não têm comprovação científica e importância prática para vacas leiteiras.
Os estudos indicam que, em condições fisiológicas, o limiar de 10 pg/ml é suficiente para estimular uma adequada descida do leite. Em condições normais de ordenha, mesmo após uma adequada descida do leite e ordenha completa, uma pequena porção do leite total (cerca de 5-20%) permanece na glândula mamária (leite residual), o qual somente pode ser retirado com o uso de ocitocina injetável.
Um tema ainda controverso entre os especialistas é o tempo entre a estimulação dos tetos e o início da contração das células mioepitieliais (tempo de latência). Este debate ainda ocorre pelas baixas concentrações sanguíneas da ocitocina e pela sua rápida degradação após a entrada na corrente sanguínea, o que dificulta as avaliações.
Além disso, alguns fatores fisiológicos que podem alterar o tempo de latência, como o estágio de lactação e a quantidade de leite acumulada, sendo que quanto menor a quantidade de leite no úbere maior o tempo de latência da ocitocina.
Estima-se que o leite alveolar começa a drenar para a cisterna da glândula cerca de 40-50 segundos após o início da estimulação dos tetos, mas este tempo pode atingir 2-3 minutos para vacas com pouco acúmulo de leite antes da ordenha.
Após o início da descida do leite, o estímulo de liberação da ocitocina continua durante a ordenha por meio estimulação das teteiras e da pulsação, ou pelo estímulo da ordenha manual. Durante a ordenha, as concentrações de proteína e lactose do leite permanecem relativamente constantes, no entanto ocorre significativa variação do teor de gordura.
Por exemplo, no início da ordenha o teor de gordura do leite é de aproximadamente 1%, mas pode atingir até 10% ao final da ordenha. A contagem de células somáticas também sofre variação durante a ordenha, apresentando alta contagem no leite cisternal (início de ordenha) e tendência a aumentar no leite alveolar (final da ordenha).
Em condições fisiológicas, as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) auxiliam ao invés de inibir a liberação da ocitocina, após a estimulação dos tetos. Estudos indicam que somente acima dos nível fisiológicos (administração de adrenalina injetável), pode ocorrer contração dos músculos lisos presentes nos ductos e consequente redução da ejeção do leite.
A ação da adrenalina parece ter maior importância sobre a contração do músculo liso do esfíncter do teto. Em vacas com baixo tônus muscular do esfíncter, pode ocorrer a incontinência do leite antes da ordenha (leite drenando).
Esta situação, no entanto, não indica que ocorreu o início da ejeção do leite, pois somente ocorre drenagem do leite cisternal e não está associado com o aumento da concentração de ocitocina.
Distúrbios na liberação de ocitocina e descida do leite
Os distúrbios de liberação de ocitocina podem ocorrer em dois locais principais: na glândula pituitária (inibição central) ou no local de ação da ocitocina (inibição periférica). Em raças leiteiras especializadas, as vacas de primeira lactação podem apresentam distúrbios de descida do leite durante a primeiras semanas pós-parto, em razão de alteração do ambiente e pela mudança para uma nova rotina de ordenha.
As pesquisas indicam que este tipo de alteração é regulada em nível de sistema nervoso central, pois ocorre inibição da liberação de ocitocina após o estímulo da pré-ordenha. As causas da inibição da liberação de ocitocina nestes animais ainda não foi determinada, mas esta situação pode ocorrer em várias raças leiteiras e em diferentes sistemas de alojamento.
No Brasil, a maioria dos rebanhos é composto por vacas mestiças de origem zebuína (Gir e Girolando, por exemplo), as quais podem apresentar dificuldade de adaptação para a ordenha mecânica exclusiva, pois para que ocorra liberação de concentrações adequadas da ocitocina muitas vacas necessitam da presença do bezerro durante a ordenha, para estimular os tetos antes da ordenha (apojo).
Alguns estudos indicam que nestas vacas, a ordenha com apojo e presença resulta em maior produção de leite (cerca de 10% a mais) e maior liberação de ocitocina que em vacas com ordenha sem bezerro. No entanto, resultados de pesquisa também indicam que vacas Gir e Girolando podem apresentar reflexo de ejeção do leite em sistemas de ordenha sem bezerro ao pé, desde que adaptadas e que este procedimento seja aplicado desde o início da lactação.
A eliminação do bezerro durante a ordenha traria uma enorme simplificação do manejo da ordenha de rebanhos mestiços, no entanto, enquanto não forem desenvolvidos estudos sobre a causa da inibição da descida do leite ou melhoria na seleção genética para esta característica, a presença do bezerro ainda é uma realidade.
Vacas que apresentam inibição da descida do leite são geralmente tratadas com injeções de ocitocina antes da ordenha. As doses de ocitocina resultam em concentrações sanguíneas deste hormônio muito acima das concentrações fisiológicas e podem se manter elevadas por até algumas horas após a ordenha. Devido ao maior esvaziamento do úbere após o uso de injeções de ocitocina, o acúmulo de leite cisternal somente se inicia cerca de 4-5 horas após a ordenha.
Prejuízos da ocitocina
Em razão das doses de ocitocina injetadas serem muito superiores aos níveis fisiológicos normais, ocorre pelo mecanismo de estimulação positiva (feedback positivo) uma dessensibilização dos receptores de ocitocina nas células mioepiteliais, o que poderia explicar porque as vacas se tornam “viciadas”, depois do uso continuado da ocitocina.
Estudos recentes indicam que as injeções de ocitocina para estimular uma adequada descida do leite podem sem feitas em baixas dosagens (<1 U.I. de ocitocina). O uso baixas dosagens pode reduzir os efeitos negativos do uso continuado de ocitocina injeções antes da ordenha.
Deve-se destacar que a maioria dos medicamentos a base de ocitocina tem concentração de ocitocina de 10 U.I./ml, o que significa o volume a ser usado para resultar em dose final de 1 U.I. é de 0,1 ml do produto. Esta dificuldade de manipular e aplicar dosagens tão pequenas é que faz com que dosagens mais altas sejam utilizadas sem necessidade e com maior potencial de efeitos negativos.
O uso da ocitocina injetável de forma continuada pode trazer uma série de consequências. Uma das principais é que as vacas que recebem injeções antes da ordenha se tornam mais resistentes a entrar na sala de ordenha, uma vez que elas sabem que serão submetidas a uma injeção.
Sendo assim, o ordenhador tem que fazer mais esforço para colocar as vacas na sala de ordenha e em consequência muitas vacas defecam antes de durante a ordenha. De forma geral, as alterações de comportamento das vacas e o estresse causado pela injeção dificultam ainda mais a descida normal do leite.
Além das consequências comportamentais, o uso de mesma agulha em vários animais (prática comum em muitas fazendas leiteiras) representa um enorme risco de transmissão de doenças entre as vacas.
Além das alterações comportamentais, o uso continuado de ocitocina pode trazer também alterações fisiológicas. Estudos científicos indicam que, após uma semana de uso continuado de ocitocina em vacas com descida normal do leite antes das injeções, ocorre redução de esvaziamento do úbere durante a ordenha, caso a ocitocina não seja aplicada.
Isto significa que as vacas ficam “viciadas” na injeção de ocitocina antes de ordenha, mas após cerca de dois dias sem injeções as vacas já apresentam capacidade de reestabelecer um reflexo de descida do leite normal. Em termos práticos, uma vez iniciado o uso de ocitocina, este procedimento dificilmente pode ser interrompido, geralmente somente quando a vaca seca, pois caso contrário a descida do leite não ocorre.
Originalmente publicado em: SANTOS, M. V. Ocitocina injetável durante a ordenha – solução ou complicação? Inforleite. Sorocaba-SP, p.40 – 42, 2013.