Os sinais clínicos de uma doença têm confundido produtores paranaenses e dificultado seu tratamento. A bezerrada aparece com uma crosta endurecida, de cor acastanhada e muitas vezes recoberta com pelos, principalmente na região do dorso, orelhas e pescoço.
Inicialmente a crosta é difícil de ser retirada, mas com o tempo se desprende com facilidade, revelando embaixo uma ferida de cor avermelhada. “Muitos criadores acreditam que é fotossensibilização”, afirma Marcelo Boskovitz, médico veterinário que tem atendido muitos rebanhos com o mesmo problema na região noroeste do Paraná, onde atua como consultor.
Trata-se, no entanto, de uma doença cutânea: dermatofilose, se o agente causador for uma bactéria ou dermatofitose, quando o patógeno é de origem fúngica. “A princípio estas doenças podem até gerar alguma confusão com a fotossensibilização, mas vistas de perto são bem distintas”, afirma Werner Okano, professor da Unopar – Universidade Norte do Paraná.
Ao diagnóstico errado no campo soma-se um hábito arraigado no meio rural. O produtor vai até a revenda agropecuária, diz que os bezerros estão com ‘requeima’ – nome pelo qual a fotossensibilização é popularmente conhecida – e o balconista “prescreve” o melhor tratamento. “Aplicam hepatoprotetor, antibióticos, anti-inflamatórios.
Além de gastar mais dinheiro, não soluciona o problema”, alerta Boskovitz. Segundo o veterinário, em algumas situações o produtor até descarta a ocorrência da fotossensibilização, mas não chama um profissional para fazer o diagnóstico diferencial entre a dermatofilose e a dermatofitose. “Administram antibiótico de amplo espectro, independente da causa da doença. É como usar um canhão para matar uma mosca. Estão jogando dinheiro fora”, afirma.
Para saber qual doença está acometendo os animais e acertar no tratamento, o professor Werner Okano, da Unopar, sugere que se faça um teste preliminar a campo. “Ao destacarmos uma pequena parte da crosta, com a ponta dos dedos, se a sua parte interna apresentar um tufo de pelos, como se fossem cerdas de um pincel, provavelmente trata-se uma dermatofilose. Se essa característica não for observada, então pode ser a dermatofitose”, explica.
O professor, no entanto, ressalta que o diagnóstico sempre deve ser confirmado por uma análise do material (crostas) via laboratório. Segundo ele, casos de dermatofilose ou dermatofitose podem aparecer na forma de surtos ocasionados por fatores climáticos (calor e umidade) combinados ao estresse do animal, queda de imunidade ou deficiência nutricional tendo como fator predisponente lesões abrasivas na pele.
“Mal das chuvas”
A dermatofilose é causada pela bactéria Dermatophilus congolensis, que permanece “adormecida” no solo ou na pele do animal esperando por um momento oportuno para atacar, que chega com o calor e a umidade. Em artigo publicado em DBO no mês de março de 2012, o veterinário e professor da FMVZ – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Enrico Ortolani, chama a doença de “mal das chuvas”.
O colunista explica que o excesso de chuva lava a pele, retirando dela a camada protetora de cera, produzida pelas glândulas sebáceas, que atua como barreira è entrada de bactérias. A pele muito úmida torna-se mais sujeita a traumas, impossíveis de serem vistos a olho nu. Picadas de moscas, carrapatos, penetração de larvas de bernes e de espinhos também podem introduzir a bactéria na pele íntegra.
A doença acomete principalmente animais jovens na desmama quando sofrem grande estresse aliado a períodos de muita chuva e temperatura alta. Uma parte dos animais consegue produzir anticorpos contra os agentes, fazendo com que a doença regrida e evolua para cura natural dentro de três semanas do início do quadro. Porém, nos bezerros mais fracos, dependendo da intensidade das chuvas, a doença se alastra e pode levar o animal à morte.
Independentemente da evolução do quadro, a doença provoca considerável perda de peso e, em muitos casos, retardo no crescimento. Animais que tiveram a doença uma vez tornam-se resistentes pelo resto da vida. O tratamento é feito com antibióticos específicos, sob acompanhamento veterinário. Em geral é bem sucedido quanto mais cedo for realizado.
Menos grave, mas recidiva
A dermatofitose, por sua vez, é provocada por um fungo. No caso dos bovinos, o vilão é o Trichophyton verrucosum. A exemplo do que acontece com as bactérias, os esporos do fungo podem permanecer na pelagem em estado dormente até que haja condições ideais para infecção. O clima quente e úmido não é o único aliado da doença. “Queda da imunidade, deficiência nutricional ou lesões abrasivas da pele também favorecem o desenvolvimento do fungo”, explica o professor Werner Okano, da Unopar.
A formação de crostas de cor acinzentada se dá principalmente na cabeça, pescoço e ao redor dos olhos. Em alguns casos até mesmo junto à coroa dos cascos. O sinal clínico mais consistente é a formação de uma ou mais crostas circulares e posteriormente alopecia (ausência de pelo).
O tratamento da doença é feito com endectocida à base de ivermectina. Dependendo da severidade da doença são necessárias duas doses, com intervalo de 21 dias entre elas. Também podem ser feitas aplicações tópicas com solução de iodo ou calda bordalesa, sempre com orientação do veterinário.
Devido à reepitelização – reconstituição do tecido epitelial nas áreas da pele afetadas – normalmente os animais apresentam boa recuperação num prazo de 21 a 45 dias. Segundo Werner, a despeito de provocar a perda de peso, a doença dificilmente leva o animal à morte. Ao contrário da dermatofilose, no entanto, há recidiva – reaparecimento dos sintomas da doença – em alguns casos de dermatofitose.
Doenças são contagiosas
Tanto a dermatofilose quanto a dermatofitose são contagiosas, por isso ambas devem ser tratadas, sob o risco de a contaminação se espalhar pelo rebanho. O problema pode se agravar se a imunidade do plantel estiver baixa. “Dependendo do estresse e da deficiência nutricional dos animais, a doença pode afetar quase todo o lote”, alerta Werner Okano, da Unopar. Por isso, a nutrição deve estar em dia. “Animal bem nutrido e com mineralização à vontade geralmente possui uma defesa imunológica mais forte e, portanto, resiste melhor às doenças”, afirma.
Outro ponto a que o produtor deve se atentar é a aquisição de lotes de outras propriedades, já que as enfermidades podem surgir por meio de animais comprados portadores das enfermidades. “Os animais doentes devem ser separados dos sadios durante o tratamento, somente se reintegrando à boiada após a completa cura”, recomenda Enrico Ortolani, da USP. Vale ressaltar que as duas enfermidades são zoonoses, ou seja, comuns aos animais e ao homem. Por isso todo cuidado é pouco no tratamento, que deve ser feito por um profissional utilizando luvas descartáveis.
A fotossensibilização, que muitos produtores paranaenses acreditam estar acometendo seus animais, é uma doença muito diferente da dermatofilose e dermatofitose. A enfermidade é conhecida popularmente como requeima devido à vermellhidão provocada pela sensibilização das camadas superficiais da pele quando expostas à radiação solar intensa.
É comumente causada por toxinas produzidas por fungos, em especial o Pithomyces chartarum, muitas vezes encontrado nas macegas de pastos mal manejados de Brachiaria decumbens, além de saponinas, que são compostos presentes nos capins do gênero Bricharia e Panicum e drogas hepatotóxicas. Há também plantas hepatóxicas, como o Senecio brasiliensis (Flor de outubro) e a Lantana camara (Chumbinho). Todas estas substâncias são tóxicas e causam lesão no fígado, que perde a capacidade de filtrar impurezas no sangue, e na vesícula biliar, que secreta a bile, essencial para a digestão do animal.
O professor Werner Okano, da Unopar, explica que uma agressão hepática impede a eliminação de uma substância chamada filoeritrina, que deveria ser descartada do organismo do animal durante o metabolismo. Funciona assim: quando o boi come o capim, a clorofila presente em suas folhas é metabolizada no rúmen. Se o fígado estiver funcionando normalmente, a filoeritrina, que é um resíduo da clorofila, passa direto pelo órgão e vai para o intestino do bovino, onde é eliminada junto com as fezes.