Não é raro identificar, em um rebanho leiteiro, alguma vaca mancando. Pode ser efeito de uma pisada mais forte numa pedra, coisa que logo passa. Mas pode ser também algo muito mais complicado, que vai atingir em cheio o bolso do produtor. “Saber identificar as doenças e suas causas, que podem ser de origem infecciosa, traumática, metabólica, genética, nutricional, entre outras, bem como identificar os fatores que aumentam as chances de ter o problema, é fundamental antes de tratar o casco doente de forma isolada ao contexto”, diz o professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP), Fabio Celidonio Pogliani. “Podem ocorrer diferentes doenças em um mesmo casco, ou em diferentes cascos de um mesmo animal.
Após o produtor obter o diagnóstico correto, segundo Pogliani, é possível ter um panorama geral da situação na propriedade, para então elencar as prioridades e objetivos. “Com o diagnóstico é possível definir correções, mudanças e reformas na área. Individualmente, deve-se realizar o tratamento dos animais enfermos e descartar aqueles com problemas crônicos. Além disso, a mão de obra deve ser bem treinada para identificar precocemente os animais com problema e determinar mensalmente o escore de locomoção do rebanho.”
Ele diz que dieta mal equilibrada pode deixar o casco mais frágil e cita como exemplo a deficiência de zinco e biotina, que tornam o casco predisposto a lesões traumáticas e, consequentemente, infecções secundárias. “Porém, quando se fala em desequilíbrio da dieta relacionado ao excesso de carboidratos, estudos recentes contrariam a teoria clássica de que este excesso de concentrados provocará acidose ruminal crônica (ou subaguda), tendo como consequência o surgimento de laminite crônica e suas sequelas, como doenças de ruptura do casco (úlcera de sola).”
Segundo ele, estudos de revisão de literatura e estudos controlados e direcionados ao estabelecimento da relação causa-consequência comprovam que não há evidências que dão suporte a essa conclusão, havendo somente dados de forte correlação entre os acontecimentos.
“A acidose ruminal crônica e as lesões de ruptura de casco ocorrem de forma simultânea, porém, o primeiro fator não é condição obrigatória para o surgimento do outro problema. Pesquisas demonstram que animais com pouca perda de condição corporal após o parto e confinados em ambiente confortável durante a lactação não apresentam elevada incidência de úlceras de sola, pouco importando a quantidade de concentrados recebidos na dieta.”
Entretanto, além da forma crônica, ele diz que quando a ingestão de concentrados é abrupta e em excesso, leva ao desenvolvimento de acidose ruminal aguda, fator determinante para o desenvolvimento da laminite aguda, em função de um quadro degenerativo que atinge os tecidos e o sistema vascular do casco. “Contudo, esta doença é de incidência reduzida na bovinocultura de leite.”
Oferta de alimento
Pesquisador da Embrapa Gado de Leite/Juiz de Fora (MG), Bruno Carvalho afirma que a alteração vascular prejudica a circulação do sangue na região dos cascos, alterando o padrão de formação do tecido córneo, tornando os cascos mais flexíveis e facilitando o seu desgaste, além de provocar má formação. “Podem ocorrer hemorragias e lesões como a doença de linha branca, dupla sola e úlcera de sola, relacionadas a má formação.”
Carvalho diz que, no início da lactação, o aumento da oferta de alimento deve ser gradual e conter bastante fibra para estimular o rúmen. “Também é possível lançar mão de aditivos como o bicarbonato de sódio, que ajuda a tamponar o rúmen e manter o seu pH numa faixa controlada, para evitar a acidose ruminal.”
O professor ressalta que o manejo correto é fundamental para a saúde do casco, assim como conforto e bem-estar estão relacionados com o volume da produção de leite e com a saúde dos cascos. Entre os fatores que acarretam problemas ele cita: falta de apara funcional (casqueamento), instalações inadequadas, camas mal dimensionadas, espaço para alimentação impróprio, elevado tempo de espera antes da ordenha, alta densidade animal, pisos abrasivos e úmidos, longos percursos até a sala de ordenha, ambiente muito sujo de fezes e/ou barro, inexistência ou ineficiência de pedilúvio, entre outros.
O pesquisador da Embrapa reforça a necessidade de que o animal tenha local confortável para deitar e descansar. “No período em que permanece deitada, a vaca alivia a pressão sobre os cascos. Se o local não for adequado, ela ficará mais tempo em pé, pressionando os cascos e aumentando a probabilidade de ter doença de casco.”
Segundo ele, o local ideal de descanso pode ser na terra ou no capim, desde que esteja livre de objetos como cascalho e pedaços de pau. “Caso utilize cama de areia ou de borracha, o manejo tem de ser correto. A cama de borracha tem de ter cobertura de serragem e a cama de areia deve ter altura ideal.”
Carvalho lembra que para aumentar a produção de leite a vaca precisa comer muito. “Quando está com problema de casco, o animal sente dor e prefere deitar. Assim, come menos, reduz a produção de leite e emagrece, aumentando o risco de ter doenças metabólicas.”
Pogliani recomenda que a apara funcional (casqueamento) seja encarada como prevenção e não somente como um dos meios de tratamento. “Os animais devem ter os cascos aparados da forma correta e por profissional treinado, com frequência adequada.”
Quais são as principais doenças
O professor Pogliani conta que em 2017 foi publicada a nomenclatura padronizada para o Brasil das doenças dos dígitos dos bovinos. No total, são 27 doenças listadas, porém, a incidência pode variar muito em função de diferenças de manejo, raça, produção de leite, tipo de confinamento etc, existentes no país. “Sem considerar regionalismos, podemos citar como as principais doenças a dermatite digital (origem infecciosa), úlcera de sola e a fissura da linha branca (origem traumática).”
Pogliani ressalta que a atenção deve ser maior no período mais quente e chuvoso. Em relação à vaca, atenção ao período pós-parto, sobretudo até os 100 dias. Já no período seco, o animal deve estar com o casco sadio, aparado e preparado para a próxima lactação.
Em termos de perdas, o professor diz que pesquisa feita nos EUA aponta que o custo de tratamento de doença do casco pode girar em torno de US$ 478/ vaca, envolvendo perdas diretas e indiretas. Outro estudo cita custo total de US$ 246,90 por animal enfermo. “Dados nacionais apontam o custo médio de US$ 45/vaca somente para o tratamento, sem considerar as perdas indiretas.”
Ele afirma que os prejuízos na produção de leite são proporcionais à gravidade da claudicação, sendo que, para vacas com manqueiras de intensidade leve, a redução média na produção de leite é de até 5%. No entanto, em vacas com manqueiras graves a diminuição média pode chegar a 36%.
“No contexto da saúde animal, outros sistemas também são acometidos direta e indiretamente por causa de doenças no casco. Dados de pesquisa nacional apontam que vacas com problemas de casco desenvolvem mais mastite (incidência 31% maior), metrite (incidência 12,5% maior), maior número de serviços por concepção (1,3 a mais) e o período de serviço também é significativamente maior, aumentando, em média, 65,5 dias.”